Já se repetiu tanto por aí sobre as particularidades que separam ocidente de oriente.
O tratamento aos felinos também era diferente.
Os Deuses éramos nós.
Entretanto para um determinado rei sábio, os Deuses eram muitos outros que o gato se incluía. Na imagem da Deusa Bastet uma de suas mil esposas fazia oferendas. Nossos antepassados tinham vidas não muito diferentes dos filhos do sol. O ecletismo religioso imperava nos salões e jardins do templo de Jerusalém.
Mandou construir um altar para Quemós, Deus da princesa moabita. Tanit para Querem-Hapuc, Istar, Tamuz, Marduque, Osíris, Hórus, Nut…
Dentre suas mulheres que somavam mil, outra veio somando mil e uma. Quando a princesa egípcia entrou nos aposentos do rei, este se encontrava em plena atividade sexual com sua nova rainha. Junto a egípcia seus gatos se arrepiaram e numa gritaria infernal correram para o casal. Os guardas correram para acudir quem…
Querem-Hapuc que passava boa parte de tempo conhecendo as esposas do rei desviou sua atenção ao animal mítico. Quando esse pequeno incidente chegou a seus ouvidos, tanto ela como a princesa egípcia se mantiveram atentas. Chegaram a desconfiança que o rei corria perigo. O aviso de um gato jamais deve ser posto de escanteio.
— Me pergunto que tipo de ser eles viram que não vimos? Raabe? Você é descendente da meretriz? A meretriz já morreu se não me falhe a memória – Querem-Hapuc lembrou-se das muralhas de Jericó.
— Não. Davi é bisneto dela. Meu nome é uma lembrança de sua coragem. Sou egípcia e minha mãe israelita.
— Muito interessante. Não a conhecia.
— É que somos muitas e a rainha tem lá suas favoritas.
— Oh! É verdade. Isso aqui é o Paraíso.
— Ouvi dizer…
— Desculpe tenho que ir. É hora das oferendas.
O vento soprava entre véus. Os gatos dormiam aconchegados em camas esculpidas em sândalos e pedras preciosas. Sete gatos a protegiam. Se o mau que percebera na nova esposa do rei fosse real ela não tinha que se preocupar.
Querem-Hapuc entrou no aposento da rainha egípcia e se deitou com ela. Os gatos levantaram a vista na direção dos véus que dançavam cercando duas mulheres em movimentos frenéticos.
Viram a sombra que se projetava na janela e depois sumiu.
“Precisaremos de ajuda”, falou um dos felinos.
“Sim. Basted. O caso é de vida é morte”, completou outro gato.
“Não precisamos da Deusa. Podemos dar conta sozinhos”.
Espreguiçaram e saíram do cômodo em direção ao apartamento do rei. Atravessaram o pátio e a lua minguante iluminava e dava pouca poesia à situação. O rei dormia sozinho, porém a mulher se achava por perto.
“Seria um…”
“É difícil dizer”.
“Ela sabe que estamos aqui”.
A sombra que estivera no dormitório de Raabe projetou-se na pouca luz que vinha da janela. Criou forma de mulher. Dirigiu-se para onde o rei adormecido roncava.
“Quando disser agora, todos correm para cima dela”.
Fizeram um circulo e tomaram posições de ataque.
“Agora!”
Sete gatos raivosos pularam sobre o Shikk. A gritaria se estendeu pelos cômodos do palácio.
— Que porra é essa? Vou mandar apedrejar todo mundo – pulou da cama enfurecido.
A quantidade de guardas logo encheu o dormitório para em seguida se encherem de horror.
— Melhor chamar a princesa egípcia. Ela entende de gatos e criaturas melhor que a gente.
— Todas elas entendem alguma coisa sobre isso.
Atravessando o pátio a procura da rainha. Ela já estava a caminho. Foi ao encontro deles.
— Não precisa dizer. Sei do que se trata. Acordem as outras mulheres. Precisamos do maior numero possível de Deuses. Nenhum outro pedaço da Terra tem tamanha variedade. Talvez na Índia.
A djim tomou a forma metade mulher, metade dragão. Seus caninos longos e seis serpentes no lugar de braços espalhados em seu tronco tentavam agarrar o infeliz.
— Sangue nobre de um Jedidias.
— Sai pra lá! – o rei fugia quase subindo pelas paredes – Guardas!
— Sangue.
No meio da confusão as esposas seguiram para os templos erguidos para seus Deuses.
— Escuta Raabe, não vai pedir para o seu Deus salvar o rei?
— Estou pedindo. E na minha cara estou sendo atendida.
Querem-Hapuc correu para Tanit. Mandou os guardas trazerem três crianças saudáveis para o sacrifício. Sem saber como agir apenas assistiam o rei tentando fugir pelas portas e janelas e a Shikk impedia. Os gatos pulavam sobre o monstro que devia ter mais de três metros. A criatura atirava os gatos no chão e mostrava seu ódio a animais que não demonstravam medo.
O rei berrava.
Cansada, o Shikk ficou em duas pernas fazendo a cauda sumir e seu tamanho pareceu aumentar. Por entre as pernas ela puxou um nasnas. O nasnas tinha um braço, uma perna e metade da cabeça. Pulou para ele e tentou cravar os dentes.
O soberano parecia que desmaiaria a qualquer momento.
Nasnas flutuava a sua frente, criatura partida ao meio. Este tentou estrangulá-lo.
Dois gatos correram na direção do Shikk atacando seu braço e mão. Numa intensa guerra os gatos pareciam se multiplicar. Pura verdade. Mais gatos apareceram e pularam sobre os djins. Perto da rainha egípcia, Basted coordenava a guerra. As criaturas desapareceram.
Cansado, o rei desceu das paredes. Caminhou para o leito e desmaiou. Acordou com a gritaria das mulheres. Mil mulheres gritando umas com as outras para levar o prestigio.
Que Deus havia salvado o rei?
O rei que todos sabiam ser muito sábio disse:
— O conjunto salvou o rei. Centenas de Deuses reunidos só poderia dar em fuga do mau. Obrigado a todas. Obrigado, obrigado.
Chamou um dos sacerdote.
— Mande construir cômodos circundando meus aposentos. Ponha neles o maior numero possível de gatos. Hoje, quase morri do coração.