Asmār
O vendedor de tapetes parou frente o palácio. Os servos foram ter com ele. Com inúmeras torres com cúpulas douradas, tudo era ricamente composto. Convidado a entrar, o homem deixou saber que tinha sede e fome. Não deixou saber que na verdade era um feiticeiro.
Olhou ao redor. Em uma grande câmara que recepcionava os convidados pensara que nunca vira tanto luxo. Esperou. Realmente as pedras que formavam mosaicos procediam de inúmeras partes do globo. Aquelas pedras lhe diziam muito.
Zillij…
Azulejo…
Foi conduzido por servos a uma sala adornada com o que tinha de melhor na tapeçaria oriental. Serviram farta refeição. Sabia que tinha de agir rápido, antes que a djim percebesse sua presença. Mostrou alguns tapetes aos servos e pediu para mostrá-los a proprietária. Os servos sumiram entre galerias e retornaram com a aquela que o feiticeiro jamais viu beleza igual. Igual a Ana Paula Arósio, mas ela, a Ana Paula ainda não era viva. Feito esse que levaria mais de 2 milênios e aconteceria em São Paulo. Não existia São Paulo e nem Ana Paula Arósio.
— Senhora. Sou comerciante e vim lhe oferecer meus humildes presentes que nem por uma fração chegam perto de tanta beleza que a cerca. E de sua beleza em especial.
— Vamos ao pátio, lá poderei apreciar melhor o que tem para me mostrar – a princesa babilônica seguiu a frente.
Sem querer se demorar estendeu um dos tapetes ali mesmo.
— Veja, todo bordado em fios de ouro e prata. Conta a história de um amor impossível. Atente para os desenhos. Os detalhes…
Querem-Hapuc deslizou as mãos e ficou maravilhada. Um fino e delicado trabalho. Entre imagens tão minúsculas via realmente o desenho de uma princesa de beleza deslumbrante. Seus dedos percorriam, a história se desenrolava.
O rei seu noivo a esperava em uma caravana ela seguia como prometida. Sua vista deu-se com uma sereia, Querem-Hapuc ficou abalada. Levantou-se e reconheceu-se nos desenhos sua própria história. Uma mulher que ama mulheres. É a morte! Virou-se para ele que a rodeava e murmurou palavras que ela não compreendeu. Olhou os servos do comerciante e estes se preparavam para apanhá-la.
— Peguem-na – gritou o feiticeiro.
— Zípora – gritou Querem-Hapuc.
— Continue olhando para o tapete minha cara princesa. Perceberá que a história não existe mais. O que vê?
Viu a imagem de Zípora se materializar em ouro e prata. Sua fronte a encarava cheia de tristeza. Os homens do feiticeiro conduziram-na aos camelos e tudo que havia naquele lugar desapareceu, virou pó.
No desespero a princesa perdeu a consciência.
— Vamos enrolem o tapete e o coloque no baú.
Trancaram-na e a chave pôs num cordão e amarrou no pescoço.
Um dos servos aproximou-se do feiticeiro.
— Senhor por que não usar os poderes da djim em seu benefício?
— Ela pertence à classe mais perigosa dos djins, os Ghul-I-Beaban[1]. Eles não beneficiam ninguém. Só tem tratos com os mortos. O tapete deve ser levado para muito longe caso contrário. Se a libertarem matará a todos nós e uma maldição seguira até a sétima geração.
O servo tremeu.
— Sinceramente não entendi uma coisa.
O feiticeiro o encarou.
— Elas viviam como dois esposos.
— Sim.
— Para começar ela não é humana, para continuar ela se materializou em mulher.
— E para finalizar você é uma ostra. Andou dormindo durante todo esse tempo.