O escritório de Nicolas

Mc Lanche na relva de DanEdouard Manet-Mc Lanche na Relva, 2005-Daniel Lannesiel Lannes – 2005

Estacionou em frente a uma casa de telhados estranhos parecida com os de um conto de fadas. O local: Jardim Europa. Desceu de seu new beetle cor de rosa e reconheceu o fusca preto do irmão. Tocou a campainha e Regina, a secretária, abriu a porta.

— Ele está em reunião. Vou avisá-lo que está aqui.

Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios (24 de julho de 1783 – 17 de dezembro de 1830), comumente conhecido como Simón Bolívar
Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios (24 de julho de 1783 – 17 de dezembro de 1830), comumente conhecido como Simón Bolívar

— Obrigada.

Sentou numa poltrona Luiz XVI dourada com estampa florida. A casa parecia ser grande. Nada tinha que a identificasse como uma empresa funerária.

— Ele disse que em meia-hora termina.

Abigail pensou rápido.

— Enquanto isso vou buscar um lanche – deu meia-volta e sumiu pelo corredor ladeado por vasta vegetação.

Melhor, em quanto isso vou dar uma trepada. Voltou para o carro e discou. Sabia que reuniões demoravam muito e duvidava que terminasse daqui meia hora. Nicolas é perfeccionista demais e vai repassar todos os detalhes inúmeras vezes.

— Alô! Valentina? Oi tudo bem? Posso dar uma passada aí?

O carro dirigiu-se para o Itaim Bibi e num duplex da Conselheiro Nébias, Valentina abriu a porta.

— Georgia?

— Acho que seu sexto sentido anunciou que está viajando.

— Anunciou mesmo – replicou Abigail.

— E meu sexto sentido que está sozinha, mas não solteira. Não que estando casada te impeça de pular a cerca.

— Não impede nem a mim nem tampouco a ti.

Emiliano Zapata Salazar, (San Miguel Anenecuilco, 8 de agosto de 1879 — Chinameca, 10 de abril de 1919); Bain News Service, publisher
Emiliano Zapata Salazar, (San Miguel Anenecuilco, 8 de agosto de 1879 — Chinameca, 10 de abril de 1919);
Bain News Service, publisher

As duas deram-se a boca num beijo escandaloso e cheio de vontade. Logo estavam nuas na cama. Abigail a lambeu até perto de acabar a saliva e Valentina se contorceu. As duas suspiravam alto para depois estremecer.

O celular de Abigail toca.

O celular de Valentina toca.

— Não o McDonald’s não mandou os hamburguês virem dos EUA – Abigail com o irmão.

— Já está no aeroporto? – Valentina.

— Já estou chegando – Abigail.

— Vai passar na casa de uma amiga? – Valentina.

— Estou no Itaim Bibi logo chego – Abigail.

— Quem está comigo? Abigail.

— Manda um beijo pra ela – falou Abigail.

— Ela mandou um beijo. Ela te mandou outro.

— Em poucos minutos estou aí.

Desligaram.

— Pena que está com pressa.

— Tenho que ver o escritório do meu irmão.

— Georgia pediu para você vir jantar conosco.

— Se der…

Cidade de São Paulo
Cidade de São Paulo

Beijaram e antes de Abigail sair sugou os bicos de Valentina.

— Terminou com Cecília?

— Terminamos.

— Você é terrível.

New Beetle - Um pouco mais de New Beetle
New Beetle – Um pouco mais de New Beetle

Em pouco tempo num fluxo bom estacionava frente a empresa do irmão. Seu Bartolomeu observava a sala do filho. Ficou em dúvida pela imagem de Marilyn Monroe e não de Simon Bolívar.

— Isso é influência sua Abigail?

— Minha? Não… ou é?

— Procurei na internet imagens de Something’s got to give[1] e fiz uma montagem, gostou?

— Adorei!

— Eu não. Cadê o Bolívar?

— Vou colocar naquela parede. Uma parede inteirinha só pra ele.

— Ótimo! – rosnou o pai.

— Vamos descer quero mostrar como ficará o escritório.

A comitiva desceu e foram para fora.

Em julho de 2008 um encontro na Alemanha para celebrar 10 anos de New Beetle. Vida longa tal qual sua inspiração, o fusca
Em julho de 2008 aconteceu um encontro na Alemanha chamado New Beetle Sunshine Tour, para celebrar 10 anos de New Beetle. Vida longa ao carrinho, tal qual sua inspiração, o fusca

— Quero mostrar direitinho. Temos a nossa frente uma casa em autêntico estilo vitoriano.

— Beleza. Faltou um bom detetive vitoriano.

— Pai, não critica, não reclame da arquitetura. Não entendemos nada sobre o assunto.

— Acho que não somos os únicos a não entender nada – o pai sorriu.

— A casa que moramos a vida inteira é muito pior.

— Agora sei porque a cidade está cada dia mais feia. E não foi uma critica.

— Esqueceu que onde moramos faz parte disso?

— Confesso que o prédio que vocês moram também é de arquitetura duvidosa.

— Como dá de presente algo de aspecto duvidoso pra nós?

— Boa Abigail ─ apontou Nicolas.

O pai ficou mudo.

Viaduto do Chá em São Paulo - Foto: Marcelo Min
Viaduto do Chá em São Paulo – Foto: Marcelo Min

— Vamos entrar. Aqui temos o hall.

— Você quis dizer vestíbulo Nicolas – pai irritado.

— Ou vestíbulo. À direita a recepção e espera. Sala à esquerda, criação e divulgação. Do lado da escada que está a nossa frente.

Sofá sensacional de Guilherme Torres
Sofá sensacional de Guilherme Torres

— Não diga…

— Digo sim papai, não está vendo?

— Prossiga.

— Sala de eventos.

— Eventos? Mas não é enterro? Desde quando um funeral é um evento?

— Algumas pessoas querem um enterro estilo Michael Jackson. É direito delas. Cada pessoa tem uma concepção da morte e eu já vi de tudo, já fiz sexo em velório.

A famosa poltrona de Jacqueline Terpins
A famosa poltrona de Jacqueline Terpins

— O que?!? – o pai chocado.

— Estou fazendo entrevistas com carpideiras.

— E o sexo no velório?

— Esquece. Ao lado da sala de evento no fundo uma cozinha. Imaginei um pomar no quintal o que acham?

— Grande ideia Nick.

— Porém me esqueci se a porta deve ficar aberta ou fechada. Aberta e para as más vibrações saírem. Fechada é para as boas vibrações ficarem.

— Sugiro que deixe entreaberta para ventilar o ar. Melhor, sugiro que toda a construção seja derrubada e fique de pé apenas a porta.

— Fizemos um ritual Vastu vidya. Foi incrível! Pena que não me lembre de muita coisa.

— Vastu vidya, Feng Shui não são a mesma coisa? – Abigail demonstrou interesse.

— Não. O Vastu vidya é anterior e indiano. Acho que o feng shui é chinês.

— Aqui temos um lavabo.

Projeto de Neza César para o restaurante Deseos em Barcelona.
Projeto de Neza César para Casa Cor 2010. Carmen Miranda aparece em um quadro ao lado do carrinho de apoio. “Percebo claramente que é um projeto de design e não de decoração. Um projeto que tem conteúdo e conceito, como todos que faço. Não há mais sonhadores e eu sonho pelos meus clientes” Palavras do própria

Os três pararam pelo corredor branco.

— Esse é o único lugar branco da casa. Não pode ter nada pendurado e nem qualquer outra cor além do branco.

— Detesto ter que perguntar, mas por quê? – o pai desconfiado.

— Estamos no umbigo do Purusha. É onde as forças se concentram, acho – em dúvida.

— Por isso demorou para inaugurar o ambiente?

— Tinha que esperar a data correta segundo o guru.

— Ah! Pelo amor de Deus Nicolas, os Beatles acabaram há 40 anos.

— Vamos subir as escadas.

Decor de um apartamento em São Paulo por Neza César
Decor de um apartamento na Chácara Klabin em São Paulo por Neza César

O pai cansado.

— Por que não iniciou sua turnê pelo andar de cima.

— Porque não tem graça.

Mais uma obra de Neza César
Mais uma obra de Neza César

No corredor o pai viu uma imagem, segundo ele, engraçadíssima. No quadro o Vastu Purusha Mandala.

— A primeira sala do lado direito é de reunião, a segunda logo a frente é do advogado, do lado esquerdo fica a sala do mandachuva.

— Que mandachuva?

— Eu. Seguindo o corredor para a parte de trás da casa a sala de contabilidade e um banheiro. E como podem ver o corredor também é branco.

— E se alguém matar um pernilongo na parede, ou uma barata?

— Pai não tem graça. Você não acredita não é mesmo?

— Acredito que a porta dos fundos deve ficar aberta. Se vampiros não entrarem, a maldade também não entra.

— Vampiros? Isso sim é baboseira. Quem acredita em vampiros? Além do mais, vampiros só entram se forem convidados.

— Eu acredito em vampiros. Qual o problema? – falou o pai.

Entraram numa sala onde apenas uma das paredes tinha papel de parede. As outras traziam um tonalidade verde água.

— Muito interessante. Quem está fazendo a decoração? – Bartolomeu.

— Neza César.

Sean Yseult além de design, foi baixista do White Zombie uma das bandas mais legais dos anos 90
Sean Yseult além de design, foi baixista do White Zombie uma das bandas mais legais dos anos 90

Sobre a mesa amostras de tecido, de papel, catálogos de móveis. Cartela de cores de empresas de tinta.

— Aqui está o material que estamos fazendo para o escritório, logomarca, papel timbrado, etc.

— Não vai tirar o nome? – dependendo da resposta depenaria o filho.

— Não. Eu os convenci que é um nome bacana.

— O nome é ótimo – falou o pai.

— Vejam as cores, vermelho, lilás e amarelo. O vermelho das rosas e da vida da paixão, o lilás que anuncia a hora entre o dia e a noite, o crepúsculo, a passagem. O amarelo do cravo, do girassol, do sol aquilo que dá vida.

Do escritório Wommin park apresentada no Salão do Móvel de Milão 2013
Do escritório Wommin park apresentada no Salão do Móvel de Milão 2013

Eles, os designer, fizeram a silhueta de uma mulher e ela segura um ramo de rosa apenas em contornos, estilizada utilizando princípios da gestalt. As três cores a cercam em dia e noite, vida e morte, paixão e dor. O que acharam?

Bartolomeu gostou do lustre, segundo ele a única coisa que vale alguma coisa. Nicolas disse que o pai poderia leva-lo.
Bartolomeu gostou do lustre, segundo ele a única coisa que vale alguma coisa. Nicolas disse que o pai podia leva-lo.

— É o sexo no velório? Já fez sexo com mortos? – o pai.

— Ainda não.

EX-Libris: Fantasmas Solitários
Categoria: Memórias Póstumas de Cosma e Damiana
Subcategoria: Exlibris 2
Sobre: Trechos de meus livros
Imagem em destaque: Sergio Rodrigues
Livro: Passa lá em casa
Autora: Fernanda Machado de Farias

Deixe um comentário