Estacionou em frente a uma casa de telhados estranhos parecida com os de um conto de fadas. O local: Jardim Europa. Desceu de seu new beetle cor de rosa e reconheceu o fusca preto do irmão. Tocou a campainha e Regina, a secretária, abriu a porta.
— Ele está em reunião. Vou avisá-lo que está aqui.
— Obrigada.
Sentou numa poltrona Luiz XVI dourada com estampa florida. A casa parecia ser grande. Nada tinha que a identificasse como uma empresa funerária.
— Ele disse que em meia-hora termina.
Abigail pensou rápido.
— Enquanto isso vou buscar um lanche – deu meia-volta e sumiu pelo corredor ladeado por vasta vegetação.
Melhor, em quanto isso vou dar uma trepada. Voltou para o carro e discou. Sabia que reuniões demoravam muito e duvidava que terminasse daqui meia hora. Nicolas é perfeccionista demais e vai repassar todos os detalhes inúmeras vezes.
— Alô! Valentina? Oi tudo bem? Posso dar uma passada aí?
O carro dirigiu-se para o Itaim Bibi e num duplex da Conselheiro Nébias, Valentina abriu a porta.
— Georgia?
— Acho que seu sexto sentido anunciou que está viajando.
— Anunciou mesmo – replicou Abigail.
— E meu sexto sentido que está sozinha, mas não solteira. Não que estando casada te impeça de pular a cerca.
— Não impede nem a mim nem tampouco a ti.
As duas deram-se a boca num beijo escandaloso e cheio de vontade. Logo estavam nuas na cama. Abigail a lambeu até perto de acabar a saliva e Valentina se contorceu. As duas suspiravam alto para depois estremecer.
O celular de Abigail toca.
O celular de Valentina toca.
— Não o McDonald’s não mandou os hamburguês virem dos EUA – Abigail com o irmão.
— Já está no aeroporto? – Valentina.
— Já estou chegando – Abigail.
— Vai passar na casa de uma amiga? – Valentina.
— Estou no Itaim Bibi logo chego – Abigail.
— Quem está comigo? Abigail.
— Manda um beijo pra ela – falou Abigail.
— Ela mandou um beijo. Ela te mandou outro.
— Em poucos minutos estou aí.
Desligaram.
— Pena que está com pressa.
— Tenho que ver o escritório do meu irmão.
— Georgia pediu para você vir jantar conosco.
— Se der…
Beijaram e antes de Abigail sair sugou os bicos de Valentina.
— Terminou com Cecília?
— Terminamos.
— Você é terrível.
Em pouco tempo num fluxo bom estacionava frente a empresa do irmão. Seu Bartolomeu observava a sala do filho. Ficou em dúvida pela imagem de Marilyn Monroe e não de Simon Bolívar.
— Isso é influência sua Abigail?
— Minha? Não… ou é?
— Procurei na internet imagens de Something’s got to give[1] e fiz uma montagem, gostou?
— Adorei!
— Eu não. Cadê o Bolívar?
— Vou colocar naquela parede. Uma parede inteirinha só pra ele.
— Ótimo! – rosnou o pai.
— Vamos descer quero mostrar como ficará o escritório.
A comitiva desceu e foram para fora.
— Quero mostrar direitinho. Temos a nossa frente uma casa em autêntico estilo vitoriano.
— Beleza. Faltou um bom detetive vitoriano.
— Pai, não critica, não reclame da arquitetura. Não entendemos nada sobre o assunto.
— Acho que não somos os únicos a não entender nada – o pai sorriu.
— A casa que moramos a vida inteira é muito pior.
— Agora sei porque a cidade está cada dia mais feia. E não foi uma critica.
— Esqueceu que onde moramos faz parte disso?
— Confesso que o prédio que vocês moram também é de arquitetura duvidosa.
— Como dá de presente algo de aspecto duvidoso pra nós?
— Boa Abigail ─ apontou Nicolas.
O pai ficou mudo.
— Vamos entrar. Aqui temos o hall.
— Você quis dizer vestíbulo Nicolas – pai irritado.
— Ou vestíbulo. À direita a recepção e espera. Sala à esquerda, criação e divulgação. Do lado da escada que está a nossa frente.
— Não diga…
— Digo sim papai, não está vendo?
— Prossiga.
— Sala de eventos.
— Eventos? Mas não é enterro? Desde quando um funeral é um evento?
— Algumas pessoas querem um enterro estilo Michael Jackson. É direito delas. Cada pessoa tem uma concepção da morte e eu já vi de tudo, já fiz sexo em velório.
— O que?!? – o pai chocado.
— Estou fazendo entrevistas com carpideiras.
— E o sexo no velório?
— Esquece. Ao lado da sala de evento no fundo uma cozinha. Imaginei um pomar no quintal o que acham?
— Grande ideia Nick.
— Porém me esqueci se a porta deve ficar aberta ou fechada. Aberta e para as más vibrações saírem. Fechada é para as boas vibrações ficarem.
— Sugiro que deixe entreaberta para ventilar o ar. Melhor, sugiro que toda a construção seja derrubada e fique de pé apenas a porta.
— Fizemos um ritual Vastu vidya. Foi incrível! Pena que não me lembre de muita coisa.
— Vastu vidya, Feng Shui não são a mesma coisa? – Abigail demonstrou interesse.
— Não. O Vastu vidya é anterior e indiano. Acho que o feng shui é chinês.
— Aqui temos um lavabo.
Os três pararam pelo corredor branco.
— Esse é o único lugar branco da casa. Não pode ter nada pendurado e nem qualquer outra cor além do branco.
— Detesto ter que perguntar, mas por quê? – o pai desconfiado.
— Estamos no umbigo do Purusha. É onde as forças se concentram, acho – em dúvida.
— Por isso demorou para inaugurar o ambiente?
— Tinha que esperar a data correta segundo o guru.
— Ah! Pelo amor de Deus Nicolas, os Beatles acabaram há 40 anos.
— Vamos subir as escadas.
O pai cansado.
— Por que não iniciou sua turnê pelo andar de cima.
— Porque não tem graça.
No corredor o pai viu uma imagem, segundo ele, engraçadíssima. No quadro o Vastu Purusha Mandala.
— A primeira sala do lado direito é de reunião, a segunda logo a frente é do advogado, do lado esquerdo fica a sala do mandachuva.
— Que mandachuva?
— Eu. Seguindo o corredor para a parte de trás da casa a sala de contabilidade e um banheiro. E como podem ver o corredor também é branco.
— E se alguém matar um pernilongo na parede, ou uma barata?
— Pai não tem graça. Você não acredita não é mesmo?
— Acredito que a porta dos fundos deve ficar aberta. Se vampiros não entrarem, a maldade também não entra.
— Vampiros? Isso sim é baboseira. Quem acredita em vampiros? Além do mais, vampiros só entram se forem convidados.
— Eu acredito em vampiros. Qual o problema? – falou o pai.
Entraram numa sala onde apenas uma das paredes tinha papel de parede. As outras traziam um tonalidade verde água.
— Muito interessante. Quem está fazendo a decoração? – Bartolomeu.
— Neza César.
Sobre a mesa amostras de tecido, de papel, catálogos de móveis. Cartela de cores de empresas de tinta.
— Aqui está o material que estamos fazendo para o escritório, logomarca, papel timbrado, etc.
— Não vai tirar o nome? – dependendo da resposta depenaria o filho.
— Não. Eu os convenci que é um nome bacana.
— O nome é ótimo – falou o pai.
— Vejam as cores, vermelho, lilás e amarelo. O vermelho das rosas e da vida da paixão, o lilás que anuncia a hora entre o dia e a noite, o crepúsculo, a passagem. O amarelo do cravo, do girassol, do sol aquilo que dá vida.
Eles, os designer, fizeram a silhueta de uma mulher e ela segura um ramo de rosa apenas em contornos, estilizada utilizando princípios da gestalt. As três cores a cercam em dia e noite, vida e morte, paixão e dor. O que acharam?
— É o sexo no velório? Já fez sexo com mortos? – o pai.
— Ainda não.